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terça-feira, 15 de junho de 2010

Ato de alguns, ato de muitos: ações coletivas

Em relação às tarefas rotineiras, não há dúvida, na mente do indivíduo, de que o trabalho produzirá o resultado esperado – um determinado emprego, ou uma hora de trabalho, gerará diretamente o resultado esperado, já conhecido, ou dará ao trabalhador o direito de receber uma determinada importância em dinheiro que poderá ser usada para a compra de uma refeição ou de outros bens desejados. Nesses casos, a separação de todo o processo em meios e fins, ou custos e benefícios, ocorre quase que espontaneamente. Por outro lado, no caso de atividades não-rotineiras, como o esforço para ser aprovado um programa público, há sempre uma incerteza quanto ao resultado positivo dos esforços. Estranhamente, a referida incerteza não produz apenas ansiedade, pois os empreendimentos novos, cujo êxito não está assegurado, são vistos como particularmente nobres: assim, o esforço passa a ser “luta”, e, como que para compensar a incerteza, é essa luta que passa a ser capaz de transmitir, por si só, uma sensação de prazer.
Mas a fusão entre luta e prazer, que é tão característica da ação pública inovadora, também pode ser explicada por duas considerações bem menos especulativas. Em primeiro lugar, a ação na esfera pública é, em muitos casos, resultado de uma mudança cognitiva, radical, semelhante a uma revelação. Grande número de pessoas cresce imbuído da sensação de que a ordem sociopolítica existente não é passível de mudança ou de que, mesmo que fosse, elas são impotentes para fazer ocorrer essa mudança. A súbita percepção (ou ilusão) de que eu posso agir para melhorar a sociedade e, além disso, de que posso juntar-me a pessoas que pensam como eu a esse respeito é, nessas condições, por si só agradável e até mesmo inebriante. Para desfrutar desse prazer, não é necessário que a sociedade seja mudada de uma tacada só; basta agir de várias maneiras, como se através delas fosse possível promover mudanças. Está claro que, caso não ocorra qualquer mudança, sobrevirá a decepção, mas essa reação faz parte de uma fase mais avançada do processo.
A segunda consideração se refere à experiência agradável oposta, isto é, não é a minha capacidade de mudar a sociedade que me proporciona prazer, mas o fato de que meu trabalho e minhas atividades na esfera pública me desenvolvem e transformam, independentemente de qualquer mudança concreta no estado do mundo que eu possa realizar.
O desfecho dessa discussão é que aos esforços do indivíduo em prol da felicidade pública associa-se uma considerável sensação de realização. Na verdade, esses esforços são frequentemente comparados às agradáveis experiências de comer e beber; falamos de cidadãos que têm “fome” ou “sede” de justiça, e Tocqueville escreveu sobre o “ardente desejo de liberdade” que “poucos de nós” alimentamos de forma duradoura. É na própria luta por justiça e liberdade que se sacia a sede e se satisfaz o desejo.

Albert Hirschman. De consumidor a cidadão. P. 96-7.

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